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sexta-feira, 8 de abril de 2011

O QUE TEM NO LIXO QUE TANTO REVIRA ? ( I I )


O ferro-velho do Seu Chico ficava na primeira esquina na rua  de casa, era um terreno acidentado, e no alto ficava o barracão de madeira com tecto de zinco, que dominava toda a visão do terreno e permitia também controlar quem entrava e saia do local. Como ficava perto de casa, sempre que podia dava uma passadinha lá para ver se encontrava alguma coisa interessante. Numa dessas visitas, notei que ele guardava muitas coisas dentro do barracão, montanhas de jornais e os produtos de maior valor como os materiais de cobre, alumínio, latão, chumbo e outros equipamentos velhos e completos que ainda funcionavam.
Na realidade, o que me interessava eram os jornais velhos e as revistas, porque estes papeis eram utilizados como embalagens em quitandas, açougues, feiras-livres, armarinhos e armazéns gerais. E os proprietários destes estabelecimentos vinham comprar os jornais por quilo e perdiam tempo seleccionando o que queriam.
Foi quando fiz a proposta para o Seu Chico de separar os jornais, fazer fardos de cinco e dez quilos e enfardar também as revistas maiores como O CRUZEIRO, que serviam para embalar ovos, maços de salsinha , cebolinha e coisas miúdas. As outras revistinhas tipo Pato Donald, Mickey, Zorro, Flash Gordon, Super Homem, Mandrake, Tarzan, Bat Man  e muitos outros, não tinham valor comercial como embalagem, devido as pequenas dimensões. A proposta foi que faria os fardos de jornais e das revistas grandes, em troca receberia todas as revistinhas que encontrasse na confecção dos fardos.

Proposta aceita; todos os dias após ás aulas, almoçava e lá estava no ferro-velho separando e amarrando os fardos de jornais. Fazia com alegria, pois achava muitas revistinhas e entre um fardo e outro tinha tempo para ler as que apreciava (quase todas). Na semana encontrava umas trinta a quarenta revistas que amontoava e levava para casa no sábado á tarde. Era uma festa com meus irmãos, cada um pegava um monte e sumia, porque as professoras diziam que as revistas em quadrinhos não eram boas para nossa formação e meus pais proibiam a leitura em casa. 

A família era composta pelos meus pais e seis filhos três varões e três varoas, seria mais fácil dizer meninos e meninas, mas depois que comecei a ler a Bíblia Sagrada, acho bonito as expressões varão e varoa e as utilizo sempre que posso.
Aos domingos à tarde, havia um sessão de cinema que chamavam de matinee e meus pais não tinham condição de pagar as entradas para todos e normalmente fazíamos rodízio, ficava louco com isso, porque as domingos passava um seriado que continuava sempre no próximo domingo, como fazem as novelas hoje, cada dia um capítulo e quando perdia um domingo ficava triste.
*

Uma das razões de ir ao ferro-velho separar as revistinhas era que podia ler as revistas usadas, pois não tinha condição de comprar as novas e  a outra era  a possibilidade de negociar as usadas e fazer um dinheirinho para ir ao cinema aos domingos.
No domingo, após o almoço por  volta das 12 horas, ajuntava as revistas e amarrava com alguns jornais, ia pra frente do cinema; no bairro haviam 2 cinemas, o Maracanã e o Soberano, onde passava o melhor filme ou o seriado que acompanhava era o ponto de venda. Nas primeiras semanas o negócio não foi muito bom e tive que pagar o ingresso com o dinheiro do meu próprio bolso, mas nas semanas seguintes;  bingo!!! sucessão!!! , espalhava os jornais no chão encostado na parede do cinema, colocava algumas revistas em pé e outras em cima dos jornais, como fazem os camelos no centro da cidade e lá estava eu de mascaste, esperando os meninos passarem para ir ao cinema.

Este comercio prosperou por três meses, até o meu irmão do meio descobrir que o dinheiro que eu comprava as coisas que precisava vinha das vendas de revistas aos domingos na porta do cinema e quis se tornar meu sócio. A principio recusei, mas acabei concordando, porque ia acabar apanhando e ia perder todas as revistas.
Ficamos acertados que forneceria as revistas e cada um ia para um cinema diferente e dividiríamos o dinheiro da venda das revistas que ele vendesse. No final do primeiro domingo do acordo firmado, procurei o para acertar as contas e ele me disse que não tinha nada para acertar. Fiquei zangado, perdi as revistas mas ele perdeu o fornecedor e a sociedade.
Voltei a rotina no ferro-velho e não percebi que o meu irmão vigiava todos os meus passos, com isso acabou descobrindo a fonte da matéria prima. Na semana seguinte quando voltei ao ferro-velho, o barracão do seu Chico estava cheio de criança fazendo o trabalho que fazia e isso acabou com a minha mina de ouro.
Uma passagem da minha infância que deixou saudades e aprendizado de como reduzir, reciclar e reutilizar os materiais que jogamos no lixo.

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